A humanidade não sabe quase nada a respeito de si mesma, caso contrário, as atitudes seriam outras, o comportamento humano tem sido o mesmo há muito tempo, possivelmente há séculos, por isso os problemas são praticamente os mesmos. O comportamento binário é repetitivo, exaustivo e incongruente. Se fosse algo ligado à moda, chamaríamos a todos de démodé. Se a humanidade estivesse tão interessada em si mesma quanto demonstra sempre estar à procura pela “novidade”, algo de diferente já teria acontecido no mundo, o fetiche por supostas novidades já extrapolou qualquer capacidade mínima de racionalidade. O pensamento maniqueísta nos leva sempre a escolher entre dois abismos, sendo que no fundo do poço existencial do maniqueísmo sempre tem o diabo à espreita a nos esperar, dando boas gargalhadas, sempre com suas risadas extravagantes diante de nossas previsibilidades.
Não existe possibilidade de algo muito bom acontecer com aqueles que sempre estão a escolher entre dois tipos de veneno?! Ou não existe mesmo nenhuma alternativa?
No primeiro copo se apresenta sorridente a fantasia, repleta de charmes e devaneios, com sua fuga constante da realidade, sempre olhando o mundo de maneira superficial, retrógrada e maligna, mas sempre chamando a si mesma de profundidade, de revolucionária, a mentira chama a si mesma de bondade. É o atraso tentando voltar ao patamar anterior, com sua suposta bondade autodeclarada na própria face, e ainda gosta de se disfarçar de inúmeras ideologias “bonitinhas”. Estes que abraçam as ideologias progressistas sempre enxergam o copo como “meio vazio”, sequer se dão conta de que alguém teve que produzir o copo, transportar o copo, alguém teve que pegar a água, e outros tiveram que dispor de tempo e serviço para disponibilizar um simples copo com água servido à mesa, mesmo que seja pela metade, um simples copo com água carrega inúmeras ações e significados. Neste primeiro copo está o veneno da mentira, em que não há limites, tudo passa a ser questionado pelos mentirosos, disfarçados com seus falsos interesses e falsas virtudes, enquanto que a verdade ao longe se cala, a mentira sorri toda faceira por sempre conseguir milhões e milhões de seguidores; onde tudo é ruminação, a mentira é charmosa e faceira. No segundo copo não está exatamente a verdade, mas se encontram ali pessoas que querem ao menos tentar algo, com suas feições às vezes muito preocupadas, rostos sofridos, caras carrancudas, mas com o brilho da esperança, porém, com olhos levemente ofuscados pelas mentiras da turma do primeiro copo. Descobrir algo a respeito da verdade é difícil, mas em um sistema de crenças a busca é válida, a verdade ainda é o melhor caminho para quem não teme o peso de uma divindade superior, mesmo que por muitas vezes todos estejamos presos a devaneios que só a linguagem permite dentro de certas amarras, todos estão engessados em limites impostos pela natureza, mas alguns preferem acreditar que não, preferem apenas fingir. Presos pela realidade que insiste em ser tão cruel, e mesmo assim, no segundo copo ninguém foge da batalha, sofrem por saber de coisas que a maioria insiste em acreditar que não existem, possuem uma noção da verdade que assusta até mesmo os mais corajosos, sempre a olhar para o mundo como quem procura um grão de bondade em meio a um lugar terrivelmente sombrio, ruim e diabólico, e mesmo que seja de maneira tímida, buscam a profundidade, amam a inovação, buscam a verdade como quem vai à caça de um tesouro, mas somente se for baseada na experiência, na história e na tradição. Não temem a morte, mas também nunca a desafiam, estão sempre avan-garde, pois este é o preço da luta contra o atraso, e nunca querem provocar o demônio, independentemente de estar ou não revestido de diamantes brilhantes com o ouro dos assassinatos dos “revolucionários reacionários”, a ignorância já é o próprio atraso. No segundo copo, as pessoas estão sempre ao lado do que é a defesa da vida, do que é bom, e nunca estão satisfeitas com a própria bondade, sempre acreditando que somos todos seres erráticos e que a qualquer momento poderemos cair em alguma armadilha sórdida do mal que nos cerca o tempo todo. Praticar o mal não depende – nem de “dolo” e nem de “culpa” -, e aí que tudo se complica de maneira avassaladora, tudo não passa de uma sensação. Já a bondade não é assim, praticar o bem sempre exige um esforço descomunal. Para estes em que o copo está sempre meio cheio, sempre estão agradecidos porque alguém fez o copo, alguém providenciou a água, alguém a disponibilizou para todos; onde tudo é gratidão, o amor se multiplica.
Dois copos de veneno não vão salvar a humanidade, ninguém pode salvar senão a si mesmo, tampouco construir algo que realmente faça sentido neste mundo para quem não conhece o que é a gratidão, mas certamente que o veneno de um destes copos mata mais do que o outro, subtraindo de seus entes toda e qualquer possibilidade de redenção, enquanto que um deles sempre está tentando fazer com que tudo fique menos dolorido, menos inoportuno, menos triste, o outro se perde na esbórnia da consumação materialista. E você? Com qual dos dois copos você seguirá em sua jornada?