As mulheres

Após o nascimento do primeiro filho, todas as atenções de Ângela voltaram-se para Fabrício, e isso é coisa comum que acontece com boa parte das mulheres. Os meses se passaram numa lentidão que inquietava Clemente. Um pouco antes do nascimento do primogênito, ele já havia percebido uma mudança acintosa no comportamento da esposa diante da vida íntima do casal. Enquanto marido, ele percebia que pouco tempo lhe restava, na prática quase nada, desde então, passou a ser apenas o pai de Fabrício, nada mais que isso.

Certo sentimento de culpa aumentava em Clemente, mais e mais a cada dia diante da insanidade do fato de que desejava incontrolavelmente “ganhar a aparente disputa” de espaço com o filho. E pensar nisso, com tanta facilidade e demasiada frequência, muito o desagradava, pois tinha a exata dimensão da sua total falta de sentido. Clemente estava consciente de que absolutamente nada quanto a esse assunto poderia fazer algum sentido lógico, tinha para si como óbvio o fato de que a esposa estaria numa nova fase, dedicando-se muito mais ao filho, deixando o marido um pouco de lado, isso sim considerava como óbvio. Principalmente depois do nascimento dos outros dois filhos, tudo ficou ainda mais acentuado, o casamento com filhos faz com que tudo mude acintosamente quanto a seus aspectos mais particulares, sem nenhuma conotação do que de fato é ou não melhor, o fato é que o nascimento de um filho sempre surge como uma benção, e suas atribuições e ‘interferências’ não se enquadram em relativismos de nenhum tipo. Mas as inquietações de Clemente também foram suficientes para ele se queixar, com alguma razão, de que não precisava ser da maneira exagerada como tudo acabou por se mostrar, ele não havia imaginado que pudesse chegar ao ponto que chegou. Ficou surpreso com os acontecimentos – ou melhor – com a falta de acontecimentos, tudo lhe pareceu como num impensável exagero, talvez dos dois lados, sem nenhuma aparente solução prática.

Ângela era uma pessoa mais ligada às coisas espirituais do que Clemente, ele sempre foi pragmático em suas atitudes, muito voltado para as ações práticas, sem com isso ter se tornado um materialista-imediatista-insensível. Clemente sempre foi uma pessoa mais ligada ao momento presente, sem divagações, sem abstrações que pudessem remontar ao oposto da vida prática, há muito tempo que ele se autodefine como um imediatista-humanista, com reais preocupações humanitárias, mas sem devaneios nem relativismos. Nessa sua teoria mal explicada sobre si mesmo, ele acredita que é possível ser um falso egoísta (coisa que ele mesmo tem certa dificuldade de explicar), sem cometer grosserias, sem atropelar pessoas, sem que se torne um insensível diante das próprias limitações da matéria, de maneira que consegue sempre pensar no outro sem que ninguém o perceba como benevolente ao extremo, ao mesmo tempo sem fazer papel de bobo, e menos ainda quanto a ser chamado de sanguinário egoísta individualista incorrigível. O que ele considera como o momento presente – o Agora – é o mais importante de tudo ou de quase tudo, exceto quando uma vida está em jogo, caso contrário todas as teorias vão por água abaixo, e assim ele se revela preocupado ao extremo com a preservação da vida. Ciente de que sua teoria é boba ou até inocente, e às vezes sem muito sentido, Clemente sempre tentou – dentro do possível – encontrar melhores caminhos: em que haja o equilíbrio entre suas vontades e o bem de todos – para que tudo fique sempre em harmonia. Certo de que seu comportamento diante de um mundo agitado em demasia apenas lhe complica a vida em algumas situações de impasses constantes, ele tenta permanecer sorrindo diante da vida. A impaciência quanto às pessoas prolixas, cheias de devaneios, acaba quase sempre por atrapalhá-lo em seus objetivos, na maioria das vezes ele está acelerando os processos frente a um mundo em que ele acredita que o ritmo é falho, inconstante, às vezes muito lento, às vezes muito acelerado. Sendo ele uma pessoa um pouco avoada, pois raramente consegue se recordar de acontecimentos recentes do seu cotidiano, mas ao mesmo tempo sempre preso a tentativa de viver o que for possível do presente, preso às coisas mais diretas do momento. Às vezes chega a pensar coisas de si mesmo; a se ver quase como um ser hedonista. “Um homem ‘hedonista moderado’”, ele diz isso de si mesmo sem muito pensar (nem mesmo sabe se isso também é possível), indicando que não se deve levar ao pé da letra muitas das imprecisões das próprias palavras. Num monólogo permanente (ele gosta de dizer a palavra ‘solilóquio’, mas quase ninguém entende), ele se defende ao dizer que apenas tenta viver fingindo não se preocupar, coisa que nem sempre consegue obter com o devido êxito. “Afinal o ser humano é mesmo feito de contrassensos!”.

Com o passar do tempo, dentro da situação que se apresentava diante do nascimento do seu primogênito, Ângela abandonou quase tudo ligado aos prazeres da carne, exceto a alimentação, pois passou a cozinhar cada vez melhor, tanto quanto a se alimentar com mais a cada dia, feito uma leoa. Porém, para o puro desespero de Clemente, a esposa ficava a cada dia, mais e mais bonita e vigorosa. Isso causava alguns problemas, principalmente com relação ao sexo, perdido em pensamentos secretos e ‘impuros’, entre muitos desejos insólitos, como se fosse um adolescente. Clemente permaneceu envolto em terrível comiseração intermitente, muitas vezes isolando-se de determinadas ideias, às vezes fugindo de si mesmo.

Nesse período, Clemente começou a observar as mulheres de uma maneira diferente, e pensava constantemente em estar com elas, desejando encontrá-las pelos lugares por onde passava, e ficava pensando com frequência de ser envolvido por uma amante: e isso de fato já havia acontecido quando ainda estava noivo de Ângela. A época, ficar pensando nisso o deixava incomodado, mas era como se algo incontrolável em seu corpo permanecesse empurrando-o para o outro lado. Aparentemente feliz e também irresponsável rumo a uma busca desenfreada por prazer, por outro lado não queria se arriscar em pequenas aventuras (ou desventuras) casuais, achava que poderia ser uma fraqueza passageira e sem maiores consequências, ao mesmo tempo pensava na vida como uma coisa única e não aproveitar o que estava ao alcance “seria um desperdício”. A presença constante do perfume, do cheiro e da imagem dessa ‘ex-amante’ o atormentou por vários dias. Hoje, parece que tudo ressurge sem maiores avisos.

Mas agora, ele fica por várias horas pensando em outras mulheres, pensa em possuir uma cujo imaginário o remete a momentos mais específicos e práticos, como se se esse rosto desconhecido fosse uma amante, depois pensa em outra mulher de uma maneira totalmente diferente, e passa a pensar nessa outra imagem como se fosse uma outra pessoa, depois uma terceira pessoa, e por aí continua apenas a imaginar, depois muda de ideia e tudo volta ao começo. Temeroso do que isso pode significar quanto a possíveis problemas, assim que se dá conta desse vai e vem, ele tenta se controlar e não mais pensar no assunto. Por ser um pai de família, viúvo e com três filhos, não quer compromisso com ninguém. O que havia se concretizado tempos atrás voltou a ficar presente em pensamento, rodando e rondando sua cabeça, agora de homem solitário, sem muitas crenças e nem preconceitos, ciente apenas de que não se deve resolver um problema inventando outro.

Continua…

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